domingo, 27 de janeiro de 2008

O punhal




Numa gaveta há um punhal.

Foi forjado em Toledo, em fins do século passado; Luis Melián Lafinur deu-o a meu pai, que o trouxe do Uruguai; Evaristo Carriego teve-o uma vez na mão.
Os que o vêem tem de brincar um pouco com ele; percebe-se que há muito o buscavam; a mão se apressa em apertar o punho que a espera; a lâmina obediente e poderosa folga com precisão na bainha.

O punhal outra coisa quer.

É mais que uma estrutura feita de metais. Os homens o pensaram e o formaram para um fim muito preciso; é, de algum modo, eterno, o punhal que na noite passada matou um homem em Tacuarembó, e os punhais que mataram César. Quer matar, quer derramar brusco sangue.

Numa gaveta da secretária, entre borradores e cartas, interminavelmente sonha o punhal seu singelo sonho de tigre, e a mão se anima quando o dirige porque o metal se anima, o metal que em cada contato pressente o homicida para quem os homens o criaram.

Às vezes, dá-me pena. Tanta dureza, tanta fé, tanta impassível ou inocente soberba, e os anos passam, inúteis.


(Jorge Luís Borges).

5 comentários:

  1. Antes que apareçam os especialistas, sei que na foto não é um punhal.

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  2. Pega emprestado meu Borges e fica pra sempre? ;(
    Não chorarei de saudades, garanto. ;P

    ;******

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  3. Ah, puñales o navajas...y las historias de Borges que nunca fue cuchillero...

    Un abrazo, L.

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  4. Eu ainda acho que Borges é uma criação do imaginário coletivo...

    Outro abraço

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