segunda-feira, 31 de maio de 2010

Dias longos, noites curtas


Senti que se pudesse alcançar tua mão tudo estaria resolvido. Sorrir ao te beijar e receber outro sorriso em troca, depois do beijo. Seus dedos passeando pelos meus braços, cansados de um dia inteiro. Assim dia-a-dia, passo a passo, respirando o ar carregado da metrópole. E que nos dias de ausência tua falta não doesse ainda como eu esperava. Pois o cheiro de seus cabelos, os fios de seus cabelos espalhados nos cantos, tudo estaria inundado de presença e do rosto e da voz em minha mente. Uma lembrança breve de ontem, uma esperança quase corriqueira do amanhã tão certo.

Abrir minhas gavetas e me deparar com coisas só suas. Seguir seus rastros pela casa e encontrar o tesouro no fim do arco-íris. Adormecida, sozinha, num sofá-cama meio manco. Te levar para se deitar na cama, mesmo eu sem sono algum. A respiração leve do sono recém inaugurado. Um leve sobressalto de quem sonha sem ainda estar no estágio devido do sono. O que estaria sonhando? O quanto imagino de seus sonhos que você esquecerá pela manhã ao tentar me descrever, ainda com a voz meio rouca e embargada por uma tosse de ontem.

Esquecer exatamente tudo ao exato momento em que se fecha a porta da rua. Experimentar esta barreira instransponível entre o mundo dos outros e o nosso. Da porta pra dentro há uma desatenção perceptiva do todo que converge para você. Um ritual tribalista de imaginação coletiva que permeia a realidade com mitos embaraçantes e prazerosos. Uma racionalidade às avessar, um be-a-bá sensorial que não se explica fora dos coloridos de uma mente que não poderia nos pertencer normalmente. Habituar-nos ao déjà vu constante de uma época que não parece envelhecer.

Fujo da imensidão do redemoinho que gira e me consome o dia todo. Que de manhã me parece inevitável, pela tarde inaceitável e pela noite insaciável. Quando prestes a me entregar ao fado de um nocaute diário sinto ao longe tua voz a me chamar. Imagino exatamente a cena da minha redenção. O gosto de nossas comidas, o som de nossas músicas, a imagem de tuas formas. Às vezes demoro ainda para me situar e continuo a agir como se em meio à ventania e à multidão, quiças sozinho, terminantemente fustigado e maltratado abaixo a cabeça e os olhos já em nosso reino. Não demoro a deitar fora tudo de ruim que o mundo me reserva quando seu hálito se aproxima do meu com uma pergunta ou uma resposta sentida.

Senti que se pudesse alcançar tua mão tudo estaria resolvido. E que assim seríamos felizes.